domingo, 19 de setembro de 2010

O maior artilheiro de todos os tempos de volta às Laranjeiras


Um mulato esguio, de cabelos grisalhos, com uma camisa social de manga curta e um par de óculos de grau pendurado no pescoço entrava nas Laranjeiras no começo da tarde desta sexta-feira, que tinha tudo para ser apenas mais uma na rotina da sede tricolor. À princício realmente parecia que aquele senhor de 76 anos era um dos muitos frequentadores que passam pelo clube diariamente, até que depois dos primeiros passos, ao passar pela portaria, foi parado pela primeira vez e abraçado com um carinho que só os torcedores apaixonados sabem explicar. Aos poucos a cena foi repetida e frases como “tem cheiro de gol” acompanharam o trajeto até a chegada ao restaurante, onde sentou-se para almoçar junto com o filho e mais um admirador. Ou melhor seu fã número um, aquele que criou uma missão de encontrar o ídolo de infância e passou mais de 16 anos em sua busca, com direito a duas viagens para Valencia.
Simples da cabeça aos pés, principalmente nas palavras, Valdo abre um sorriso e se mostra muito surpreso com o reconhecimento depois de cinquenta anos fora do país. “Juro por Deus, nunca poderia imaginar que o Fluminense faria de tudo para me trazer de volta ao Brasil. Fico muito feliz de ver esse carinho de pessoas que nunca me viram jogar e nasceram depois que eu já tinha ido para a Europa” – afirma ao lado do jornalista e conselheiro Walterson Botelho, que encontrou o ex-atacante depois de achar um bar temático em terras espanholas e perguntar o rumo do jogador.
Apesar da humildade de Valdo, a empolgação dos torcedores não poderia ser diferente. Afinal, até hoje o antigo camisa 9 é o maior artilheiro dos 108 anos de história do Fluminense. Em 403 jogos disputados entre 1954 e 61, marcou 314 gols, uma média de 0,78%. Depois da primeira pausa no clube, o ex-jogador caminhou até o Salão de Troféus e viu de perto duas das suas conquistas. A taça do Campeonato Carioca de 59 e a faixa do Rio-São Paulo de 57. Só ficou faltando o troféu de 57 e o de 60. Isto porque, na época, as taças eram transitórias. Com a memória um pouco falha por causa da idade, o ídolo tricolor não conseguiu recordar de um momento específico em suas campanhas vitoriosas, mas por instinto imediatamente vestiu a faixa, mostrando que o brio de campeão não foi perdido com o avançar dos anos.


Ao fazer um esforço e desafiar a própria mente, recordou de uma vitória de virada sobre o Corinthians, num jogo do Rio-São Paulo de 55. Numa tarde chuvosa no Maracanã, fez um golaço, mais uma vez desafiando os críticos que duvidavam da sua classe e mostrando que possuía o maior artifício do esporte bretão: faro para os gols. Com a mistura da língua natal com o espanhol de 50 anos de moradia em Valencia, narrou o primeiro gol, mexendo as pernas como se estivesse com a bola nos pés, pronto para balançar a rede mais uma vez. “O goleiro correu com a pelota, me acerquei, dei um balão e marquei o gol. Foi bonito”, relembra com o sorriso aberto.
Depois da visita aos troféus, chegara o esperado momento: a volta ao gramado das Laranjeiras, local onde deu os primeiros passos na carreira vitoriosa. Há 56 anos integrava o time amador dos fuzileiros navais, quando o destino quis que enfrentasse o Fluminense num jogo-treino. Depois de passar como um foguete pelo zagueirão Pinheiro, chamou a atenção do técnico Zezé Moreira e imediatamente mudou de lado, entrando de vez para a história tricolor.
Ao pisar no gramado, logo perguntou onde estava a quadra de basquete, lembrando-se que depois de longos treinos ainda encontrava fôlego junto com os companheiros de time para jogar uma partidinha de basquete. “Fazíamos uma roda no centro desse campo em todos os treinos para conversarmos. Formavamos uma família”, conta e relembra logo depois de dois grande amigos: “Aqui tinha muita gente boa. O Telê, tão magrinho e com tanta habilidade. Sempre fui fã do seu futebol. O Escurinho também corria como um capeta. A nossa equipe era fenomenal”, disse, empolgado com as próprias recordações que voltavam a tona, à medida que passeava pelo seu principal palco até a chegada ao busto em homenagem ao goleiro Castilho. “Esse agarrava demais. Ainda bem que não tive de enfrentá-lo. Pobres dos nossos adversários”, elogiou.



A receita para os gols são simples como ele. Apontando para uma das balizas tricolores, mostrou que era ali que se dedicava pelo menos meia hora sozinho depois do término do treino. Pegava na bola de todos os jeitos, trabalhava exaustivamente cobranças de falta, só não gostava mesmo de bater pênalti. “Nenhum desses tantos gols que tenho na carreira foi feito de pênalti. Só bati uma vez, acertei o travessão e a bola voltou ao centro do campo. Vi que não tinha habilidade para isso e nunca mais tentei. Nem mesmo no Valencia”, destacou, referindo-se ao clube espanhol, pelo qual também foi o maior artilheiro da história até 2006, com 160 gols em 296 partidas, quando perdeu o posto para o jogador espanhol Edmundo Suárez de Trabanco, mais conhecido como Mundo. Valdo fez ainda dois gols pela Seleção Brasileira.
Mesmo com números tão significativos, mais uma vez mostra simplicidade com as palavras ao tentar explicar o sucesso. “Sempre tive muita sorte e a especialidade de chutar de primeira. Ser futebolista é a melhor profissão que existe. Você viaja sempre e ainda é querido de graça. Tenho só que agradecer. Sou ou não sou uma pessoa de sorte”, questionou.
Sorte mesmo é de quem teve o prazer de ver Valdo jogar. Aqui fica uma homenagem e um agradecimento a tudo o que o maior artilheiro de todos os tempos fez pelo Fluminense e nada como uma citação de uma crônica do jornalista tricolor Nelson Rodrigues, no Jornal dos Sports, após um clássico com o Vasco, quando se emocionou ao ver justamente um torcedor reverenciando a história e talento do atacante:
“Poético e sublime com os pés. Um homem que nasceu expressamente para arrombar defesas, sua função terrena é de varrer adversários como um vendaval espantoso. Todos nós achamos Valdo divino da cabeça aos sapatos”, Rodrigues Nelson.

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